A Lei de Vilas

No Municipio de São Paulo é possivel encontrar, praticamente em todos os bairros, uma infinidade de exemplares de “vilas”. O termo a princípio designava as vilas operárias, muitas das quais continham vielas a fim de ocupar os centros das quadras. Hoje o termo genérico designa principalmente esta forma de ocupação, com suas variantes.

Na Lei de Zoneamento, no. 13.885, de 2004, na parte III, existe o artigo 182, que ficou conhecido como “Lei de Vilas”. Diz este artigo que : Nas quadras que contenham vilas ou ruas sem saida com largura inferior a 10 m ( dez metros ), na faixa envoltória de 20 metros, deverá ser observado o gabarito de altura máxima de 15 m ( quinze metros ), quando o gabarito, definido para a zona de uso, não for mais restritivo. Faixa envoltória que será portanto aplicada sobre os lotes vizinhos.

Ora, “mancha ou faixa envoltória” é um dispositivo previsto e utilizado na legislação de proteção ao Patrimônio Arquitetônico. Aplicado fora do contexto da legislação de proteção aos bens significativos, este dispositivo carece de eficácia e de legitimidade.

A legislação de proteção ao Patrimônio prevê um conjunto de procedimentos, que no seu conjunto tem a finalidade de avaliar se determinado objeto é digno de ser preservado e merecer o estatuto de “bem tombado”, ou seja : inscrito no “Livro do Tombo”. Este processo consiste na perfeita identificação do objeto, na sua análise por um conselho de especialistas, a fim de decidir sobre sua inclusão no rol dos bens tombados. O principal aspecto a considerar é que o bem que se cogita preservar seja excepcional em suas caracteristicas.

Um artigo de lei que cria “manchas envoltórias” ao redor das “vilas”, desconsiderando as etapas prévias que podem recomendar o “tombamento”, produz em grande parte restrições e prejuízos indevidos aos vizinhos. Pois o tombamento é, antes de tudo, um gravame que incide sobre o bem tombado, e portanto sobre a propriedade, e só a partir deste gravame podem decorrer eventuais benefícios para o imóvel e seu titular.

O referido artigo 182 fere frontalmente o princípio de isonomia, consagrado pelo Direito e previsto na Constituição Federal, conforme estabelecido no artigo 5o. ( Tit. II, Cap. I ) : “Todos são iguais perante a lei”. Diz ainda o artigo 1.299 do Codigo Civil de 2002, ( Tit III, Cap. V, Seção VII ) que : “o proprietário pode levantar em seu terreno as construções que lhe aprouver, salvo o direito dos vizinhos e os regulamentos administrativos”.

O direito dos vizinhos são os mesmos, iguais para todos. Se a Legislação de Zoneamento, na parte que relaciona as formas de parcelamento do solo, inclui as vilas como uma dentre outras, é impensável atribuir, a posteriori, direitos desiguais para formas equivalentes de parcelamento e ocupação ( para áreas sujeitas aos mesmos critérios ). O art. 182 fere também a noção do suum cuique tribuere, segundo a qual a responsabilidade de um ato incumbe a quem o cometeu e não a outra pessoa. Se as vilas merecem recuos adicionais, estes incumbem ao seu empreendedor, e não a terceiros.

Arriscamo-nos a afirmar que o artigo 182 da Lei seja inconstitucional: invade as atribuições dos diversos Conselhos de Proteção ao Patrimônio, atropela os procedimentos consagrados ao adotar um dispositivo de proteção extraido do seu contexto, é omisso na identificação do objeto específico que pretende proteger, e não dá conta efetivamente de impedir que as vilas importantes venham a ser alteradas ou demolidas. Os imóveis na sua vizinhança, porém, poderão ter sido definitivamente prejudicados.

Num momento em que se discute a necessidade de adensar o tecido urbano, e às vésperas das revisões do Plano Diretor e da Lei de Zoneamento do Município de São Paulo, seria mais do que necessário promover a discussão do artigo 182.